(PDF) As notas do Padre Anselm Eckart, S. J., sobre alguns ...vuelan despues de aver llovido”). 15 Muito provavelmente uma leitura errônea feita pelo impressor. Em Anôn.1, p. 94: “Formiga, - DOKUMEN.TIPS (2023)

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    As notas do Padre Anselm Eckart, S. J., sobre alguns animais doEstado do Grão-Pará e Maranhão (1785)

    The notes of Father Anselm Eckart, S. J., on some animals fromthe State of Grão-Pará and Maranhão (1785)

    Nelson PapaveroI, Marcia Souto CouriII, Dante MartinsTeixeiraII, Abner ChiquieriIIIIMuseu de Zoologia. Universidade deSão Paulo. São Paulo, São Paulo, Brasil

    IIMuseu Nacional. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio deJaneiro, Rio de Janeiro, BrasilIIIUniversidade Federal Rural do Riode Janeiro. Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil

    Resumo: Os trechos relativos à fauna do Estado do Grão-Pará eMaranhão, escritos pelo Padre Anselmo Eckart (1721-1807), S. J., em1785, são traduzidos e comentados. Foram incluídas notas críticassobre cada animal mencionado, atualizando o conhecimento sobre aespécie e comparando as informações zoológicas e linguísticascoligidas pelo jesuíta com outros documentos da época e com aliteratura científica pertinente.

    Palavras-chave: Anselm Eckart. Jesuítas. Estado do Grão-Pará eMaranhão. Fauna.

    Abstract: The passages related to the fauna of the State ofGrão-Pará and Maranhão, written by Father Anselm Eckart(1721-1807), S. J., in 1785, are translated and commented. Criticalnotes about every cited animal were included, bringing the speciesknowledge up to date and comparing the zoological and linguisticinformation compiled by the Jesuit with other contemporarydocuments and with the related scientific literature.

    Keywords: Anselm Eckart. Jesuits. State of Grão-Pará andMaranhão. Fauna.

    PAPAVERO, Nelson; COURI, Marcia Souto; TEIXEIRA, Dante Martins;CHIQUIERI, Abner. As notas do Padre Anselm Eckart, S. J.,sobrealguns animais do Estado do Grão-Pará e Maranhão (1785).Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 6, n.3,p. 593-609, set.-dez. 2011.Autor para correspondência: NelsonPapavero. Rua Clodomiro Amazonas, 1220, ap. 71. São Paulo, SP,Brasil. CEP 04537-002 ([emailprotected]). Recebido em02/06/2011Aprovado em 08/11/2011

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    InTRoduçãoEm seus “Zusätze zu Pedro Cudena’s Beschreibung derLänder von Brasilien, und zu Herrn Rectors Christian LeisteBemerkungen im sechsten Lessingischen Beytrage zur Geschichte undLitteratur, aus den Schätzen der Herzoglichen Bibliothek zuWolfenbüttel” (Eckart, 1781 in Murr, 1785, p. 451-597)1, o PadreAnselm Eckart (1721-1807) fez alguns comentários sobre a fauna doEstado do Grão-Pará e Maranhão. Esses trechos são aqui traduzidos ecomentados. Os números entre colchetes referem-se à página originaldo trabalho de Eckart; a divisão em parágrafos original não foimantida. Vários erros foram introduzidos nessa obra do jesuítaalemão, provavelmente pelo impressor, na grafia dos nomes em

    1 Para os antecedentes desse trabalho de Eckart, ver Porro(2011).2 Anônimo (jesuíta alemão), “Vocabulario da lingua Brazil”,século XVIII, Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, códice3143

    (doravante, Anôn.1).3 Tradução de Marcia Souto Couri.4Referência à tartaruga-do-amazonas, Podocnemis expansa Schweigger,1812, réptil quelônio da família Podocnemididae.5 Mugil lizaValenciennes in Cuvier & Valenciennes, 1836, peixe perciformeda família Mugilidae, do Atlântico ocidental, do sul da

    Flórida e Bermudas ao sudeste do Brasil.6 Em Anôn.1, p. 44:“Caranguejo. Uçá”. 7 Falsa etimologia para ‘Curuçá’ (‘cruz’).

    Língua Geral; são aqui corrigidos, quando viável, nas notas derodapé, por comparação com os que foram registrados num“Vocabulario da lingua Brazil”2, que mostra extraordináriascoincidências de grafias com os “Zusätze...” de Eckart, fazendo-nossuspeitar fortemente de que sejam obras do mesmo autor.

    As notas do Padre Eckart sobre alguns elementos da faunaamazônica aparecem em três trechos de seu trabalho. No primeiro,tratou de alguns animais comestíveis. No segundo, discorreu sobreformigas (entre as quais incluiu os cupins, que, afinal, semprehaviam sido chamados de ‘formigas brancas’, e, erroneamente, osgrilos). Mais adiante, em seu escrito, Eckart passou a fazercomentários mais ou menos relacionados aos outros animais citadospor Leiste (1781).

    oS AnIMAIS do ESTAdo do GRão-PARá E MARAnHão, SEGundo o PAdREECKART3 [511] Uma abundância de víveres, peixes marinhos,caranguejos (o alimento comum dos índios e dos pobres) e carne decaça. Ao Pará não falta carne bovina, dados os grandes rebanhos nagrande e vizinha ilha de Marajó; mas os peixes marinhos são muitoraros. Nas aldeias e propriedades rurais, é costume comer peixe [deágua doce] à noite; as tartarugas eram trazidas de lugares muitoafastados e vendidas a um cruzado cada. Com uma tartaruga dasgrandes4, pode-se preparar um grande número de pratos diferentes. Acarne é cozida, assada e frita. As que são capturadas no rio Xingue têm carne tenra são cozidas na carapaça inferior, na qual sedeixa tanto da tartaruga quanto se queira assar; depois, corta-se oassado ao meio e uma das metades é cortada em pedaços pequenos comopara picadinho; a outra, cozida, [512] adicionando-lhe suco delimão, dá um prato delicado. Um dos melhores peixes do Paráchama-se tainha5. Não é muito grande. Desta espécie, todos os anoso colégio dos jesuítas recebia um par de centenas, a título dedoação pia para um professor das escolas primárias. Do Pará [Belém]em direção ao Maranhão [São Luís], até Caeté [Bragança], a maioriados lugares conta com grande quantidade de caranguejos. É alimentoconhecido tanto entre os índios como entre os europeus, mas do Pará[Belém] em direção aos rios de água doce Tocantins, Xingu etc.,tais caranguejos não existem. Na língua do país, o termo geral paracaranguejo é uçá6, donde talvez o nome Curuçá da vila que ficanessa região rica em caranguejos7. Os que são capturados no chão eentre as

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    pedras são chamados siri8 pelos índios, e os outros, que sobemnas árvores, sarará9. A caça [principal] são veados e porcos domato. Em Caeté, o caçador da missão trazia-me todos os sábados umporco do mato, suficiente para mim e para os jovens índios quecuidavam da casa e da igreja; até sobrava para partilhar com osportugueses da localidade próxima. O nome comum desse porco étaiaçu10. Entre os porcos do mato, há uma espécie, menor que aoutra, que faz grande estrago nas roças onde se planta mandioca;essa espécie é chamada caititu11.

    [513] Conta-se que certo português, ao voltar desta América paraa Europa, perguntado em Lisboa sobre o que comera nessas novasparagens, respondeu que, para matar a fome, era preciso engolirtoda sorte de bichos; ao ser perguntado como se chamavam taisbichos, ele respondeu – taiaçu, suaçu, sapucaia etc., isto é,porcos, veados, galinhas etc. Ao ouvir esses nomes desconhecidos,os que haviam perguntado julgavam tratar-se de animais tãodesagradáveis que não serviriam de alimento em nossas terras.

    (...)[507] Algumas regiões não são cultiváveis devido àsinfestações das formigas12. Esta praga existe igualmente

    na capitania paraense. Além da quantidade assombrosa deformigas, ainda existem diferentes espécies delas. Algumas sãograndes e vermelhas e roem as plantas: estas são denominadasyçaúba13; outras são iguais a estas, mas possuem uma cabeça menor esão chamadas Aryry14; outras, igualmente danosas para as plantas,são as Tanárga, Juvá15 [e o] Ikijú16. As negras [521] e malcheirosas, de tamanho médio, têm por nome Taracoá17. As formigasgrandes, de cor semelhante, quando mordem [picam], causam umagrande dor e, segundo depoimentos, até

    8 Designação comum a todas as espécies de crustáceos decápodesbraquiúros da família Portunidae, caracterizados por teremnadadeiras no último par de pernas.

    9 Esta palavra foi grafada ‘Çararâ’ pelo Padre Leonardo do Valle(1585), conforme Drumond (1952, v. 1, p. 67): sob “caranguejo, ospiquinhos que sobem pelas arvores”; e conforme Anôn.1, p. 44: sob“caranguejos, que sobem pellas arvores”. Baena (1840, p. 111)registrou “sarará”, dizendo ser “parecido com o xiri [sic], porémpequenino: é alvo e não recortado o casco; o vermelho chamam‘sarará-péoca’”. Chermont de Miranda (1906, p. 89), sob a mesmavoz, declarou ser um “pequeno crustáceo decapode abundante nos riosde água salobra”. O mesmo autor (Chermont de Miranda, 1968, p. 79)identificou erroneamente o ‘sarará’ como “Casta de Hyalea [sic!], onome de um pequeno caranguejo [sic] que se costuma encontrar nosigapós e igarapés”. Designação comum aos caranguejos dos gênerosUca e Aratus, que frequentam os manguezais.

    10 Em Anôn.1, p. 102: “Javali, Aper. Taiaccú iarõ”; e p. 134:“Porco do mato. Taiaçúreté (bravo: Tajaçú iarô)”. É o ‘queixada’Tayassu pecari Link, 1795, mamífero artiodáctilo da famíliaTayassuidae, distribuído da Venezuela ao norte do Rio Grande doSul.

    11 Em Anôn.1, p. 134: “Porco do mato de outra gasta [sic].Taitetú”. ‘Caititu’ Pecari tajacu Linnaeus, 1758, mamíferoartiodáctilo da família Tayassuidae, da região cisandina da Américado Sul.

    12 Referência a um trecho de Lessing (1781, p. 507), que diz:“Einige Gegenden, selbst auf der Insel [de Itamaracá], sind wegender Verheerungen der Ameisen nicht anzubauen; andere sind destoeinträglicher”.

    13 Em Anôn.1, p. 94: “Formiga, g’.de e vermelha, q’ come asplantas yçäúba”. Saúva, designação dos insetos himenópteros(família Formicidae) do gênero Atta.

    14 Em Anôn.1, p. 94: “Formiga, outra com cabeça mais peq.oAryrý”. Designação comum aos exemplares (macho e fêmea) dos insetosisópteros, ou cupins, quando abandonam o ninho para o voo nupcial,após o qual as fêmeas fecundadas formam novas colônias; tambémchamados aleluia, siriluia, siriruia etc. O termo ‘aririî’ já foraregistrado por Restivo (1722, 1893, p. 378: “mariposillas quevuelan despues de aver llovido”).

    15 Muito provavelmente uma leitura errônea feita pelo impressor.Em Anôn.1, p. 94: “Formiga, outras, q’ comem as plantas, se chamão:Tanánga [?], Tambejüuá, Iki jú”. Sob ‘tanánga’ (a leitura dapenúltima letra é tentativa), podemos conjeturar apenas que Eckartqueria referir-se à ‘tanajura’, fêmea alada da saúva. ‘Tambejüuá’(erroneamente transcrito como ‘Juvá’ em Murr) é o Solubea poecilaDallas, 1851, inseto heteróptero (hemíptero) da famíliaPentatomidae, praga do arroz; outras grafias são ‘tambeiuá’(Montoya, 1639, p. 353v) e ‘tambe yuá’ (Montoya, 1640, p. 285).Para ‘iki jú’, ver nota seguinte.

    16 É o nome dos grilos, não de uma formiga.17 Do Tupi‘taraku’a’, devorador de espigas. Termo já registrado por Restivo(1722, 1893, p. 334), como ‘taracuá’; e pelo Padre

    Marcos Antônio (1757, fol. 50v) como ‘taracoá’ (In: “Vocabulariodas línguas brasilica e portugueza”, 1757. Manuscrito n. 223,Coleção de Jorge IV. Museu Britânico, Londres). Designação dasformigas do gênero Camponotus. Em Anôn.1, p. 94: “Formiga preta efedorenta, Taracoá”.

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    provocam febre, [e] chamam-se tocankyras18. Uma outra espéciedessas formigas negras é ainda maior do que a precedente e édenominada Tápiaî19. Outra espécie mais, embora menor do que asoutras, é chamada Taçúba20; quando morde [pica] causa doresintensas, além de uma inflamação; os cupii21 estragam a madeira eas roupas. Uma espécie terrível de formigas é a que está armada deduas pinças e é capaz de desfolhar totalmente uma árvore inteira emuma só noite, conforme eu mesmo vi no vilarejo Piraguiri, àsmargens do rio Xingu, enquanto me encontrava ao lado da Casa daMissão; seu nome é Taóca22. Naquele lugar, o missionário haviaplantado uma figueira há dois anos; contudo, não conseguiu fazerfrente a esses insetos devoradores. Em Abacaxis, às margens do rioMadeira, a fim de salvar das formigas alguns legumes, foi precisoconstruir uma embarcação comprida, sustentada por colunas, enchê-lade terra e replantar os legumes.

    (...)[539] I. Dos animais quadrúpedes. 1. Macacos em quantidadesincontáveis. Os maiores não podem ser

    levados para Lisboa por certos motivos. No ano de 1757, quandoretornamos à Europa, havia diversos macacos no navio, sobretudo ummacaquinho23 muito pequeno, menor do que um palmo, preto retinto ede aparência muito bonita. Um português sempre o levava junto aopeito. Porém, este belo animalzinho acabou morrendo durante aviagem de três meses e meio. 2. [540] Os morcegos são uma pragadestas terras. São extremamente grandes: cada asa apresenta um bompalmo de comprimento. Assim que o sol se põe, esses espectrosvoadores aparecem. À noite, quando há uma luz no quarto e um dessesfantasmas voa para dentro* (em brasileiro, andirá24), ocasiona umasombra assustadora, imensamente grande. Os meninos americanos,armados de varas, por vezes obravam muito tempo até afugentar esseespectro do quarto, a fim de se poder dormir em paz. Não é nenhumanovidade o fato de tais morcegos sugarem o sangue das veias depessoas adormecidas. Devido ao grande prejuízo causado ao gado,adestram-se gatos especiais, que saltam de um animal para outro eafugentam esses atrozes sanguessugas, ou lhes aplicam uma mordidamortal. No campo, o gado manso permanece o tempo todo ao ar livre:à noite fica apenas dentro de uma área cercada. 3. A preguiça,Aí25. Um animal feio; uma alegoria, como

    18 Em Anôn.1, p. 94: “Formiga grande e preta, q’ mordendo mtodoe, e causa ainda febre, Tocankýra”. ‘Tocandira’ Paraponeraclavata Fabricius, 1775, inseto himenóptero da família Formicidae(Ponerinae), comum na Amazônia, de coloração preta, e que atingeaté 22 mm de comprimento. Tem um tubérculo no protórax e outro nopedúnculo do primeiro segmento abdominal, e constrói ninhosubterrâneo. De picada muito dolorosa, capaz de produzir vômitos, éutilizada pelos índios para cerimônias de emancipação deadolescentes.

    19 Em Anôn.1, p. 94: “Formiga, outra semelhante [à tocankýra],mas mais gde, Tepiäí”. ‘Tapiaí’, provavelmente, pelo contexto,Pachycondyla commutata Roger, 1860, inseto himenóptero da famíliaFormicidae, subfamília Ponerinae. Formiga amazônica semelhante àtocandira, porém menor e de cor negra brilhante, não aveludada. Suapicada é muito dolorosa, mas não tão agressiva como a da famigeradatocandira. O nome ‘tapiaí’ é também aplicado a outras espécies deformigas.

    20 Em Anôn.1, p. 94: “Formiga mais pena, que todas as das, q’m’to morde e queima. Taçúba”. Ou Taciba. Trata-se da ‘lava-pés’,Solenopsis saevissima F. Smith, 1855, inseto himenóptero da famíliaFormicidae (e outras espécies próximas). As picadas das ‘lava-pés’são muito dolorosas.

    21 Em Anôn.1, p. 94: “Formiga, a q’ come a madeira, lignum, Rupa& Rupií [sic]”. Cupim, insetos da ordem Isoptera.22 Em Anôn.1,p. 94: “Formiga, outras, q’ tem dentes como anzoîs: Täóca”. Taocassão as ‘formigas-correição’, designação comum aos

    insetos himenópteros da família Formicidae, subfamíliaDorylinae, gênero Eciton, capazes de realizar grandes migrações, emque milhares de obreiras percorrem vastas extensões de territóriodurante algumas horas ou mesmo dias. Em algumas espécies, ossoldados têm mandíbulas muito desenvolvidas. Eckart, entretanto,neste trecho, confunde-as com as saúvas.

    23 Provavelmente, um jovem Saguinus midas Linnaeus, 1758,primata da família Cebidae, cujo corpo varia de 20,5 a 28 cm.* Notada publicação original: Vespertilio spectrum Linn. Der Flatterer.Die Trichternase [O esvoaçador. O nariz afunilado] de Schreber,

    Säugethiere, I, p. 159, n. 3. pl. 45. Andira aca dosbrasileiros, Marcgraf. Brasil. P. 2. 3. Andira guacu, Piso. Ind. p.290. M[urr].24 Em Anôn.1, p. 117: “Morcego, Vespertilio, Andirá”.Designação geral para os mamíferos quirópteros, cujos membrosanteriores são

    transformados em asas pela presença do patágio.25 Em Anôn.1, p.135: “Preguiça, animal. äý”. Designação comum aos mamíferosdesdentados da família Bradypodidae, arborícolas, de

    pelagem muito densa e longa, membros muito desenvolvidos e caudarudimentar.

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    se diz, [541] dos preguiçosos brasileiros, como também de muitosoutros subsequentes. É com muito esforço que um animal destes sobenuma árvore. Dizem que se parece um pouco com um gato. Alguém quelevou uma jovem preguiça falou-me da expressão raivosa e ao mesmotempo aflita da mãe, por não poder ajudar o filhote preso. 6. Oanimal-cintado Dasypus, em brasileiro Tatu26. A carne deste animaltem um ótimo sabor; no entanto, a digestão é penosa. 7. Focas, nãome recordo de ter visto uma dessas tais na terra paraense. 8. Cães.Pelo que notei, quase todos os cães por aqui possuem focinhosafilados e são ótimos caçadores. Como todos os americanos são bonscaçadores, encontram-se estes cães em grandes quantidades.Inclusive à noite, o cão se deita ao lado de suas redes. Eu até vique ele tem uma rede especial, a fim de poder repousar comodamente.Se o Jaguaruçu também é uma espécie de cão, eu não sei. Na línguada terra, chama-se Jagoáruçú27 um cão grande; contração de Jaguara,cão, e da palavra abreviada turuçu, grande. Grande é também guaçu:porém, guaçu é empregado principalmente para denotar a grandeza deuma pessoa honrada; [542] de modo que os brasileiros denominam umreligioso superior ou provincial de toda uma Ordem, de Paí-guaçu28,o grande pai. Por esse termo Jaguaruçu entende-se também umcão-d’água-português29; e, então, um cão de caça é umjaguara-çoó-rupiara, ou um cachorro que captura a caça. Como nalíngua brasileira xé, ou ixé, eu, significa simultaneamente meu,por tal razão não dizem xé jaguara, meu cão, masjaguara-xerimbaba30, o que equivale a cachorro de minha criação,como dizem os portugueses, bem como assim chamam [xerimbabos]outros animais que são criados dentro de casa. 9. Espécies degatos, Felis onca e Tigre dos portugueses etc. Tigres, cobras ecrocodilos [jacarés] são os três principais inimigos que, nestasregiões, são temidos pela sua ferocidade e crueldade. Admira que osbrasileiros dessem a este felino, em seu idioma, o nome de‘cachorro verdadeiro’, já que denominam o tigre [onça] deJaguaretê31, de jaguara e etê. Na Missão de Abacaxis, certa vez umaonça veio até a minha porta ao cair da noite. De repente, ouvigritos e o barulho dos meninos americanos dentro de casa, queperseguiam este animal selvagem que viera para saquear. Ele escapoupela porta aberta da casa e saltou por cima do portão fechado doquintal sem ferir, em sua fuga, qualquer uma das crianças, dasquais umas [543] 60 ali estavam, em pé, esperando por seu jantar.Antes de minha chegada à aldeia citada, um dos índios foraestraçalhado ali mesmo por um tigre [onça]; a história toda estáanotada no Livro de Óbitos. Essa morte cruel foi interpretada comopunição de Deus, porque esse americano desviara alguns pertences daigreja (que, no idioma local, é chamada Casa de Deus32) e até seconfeccionara uma camisa com a toalha do altar. Justamente àsmargens deste rio, um português me acompanhou desde a Missão dePiraguiri com uma baioneta na mão, porque eu tive que cavalgar ànoite para cuidar de uma pessoa doente. No mais, o[s] padre[s]todas as vezes andava[m] desarmado[s] e apenas acompanhado[s] porum jovem americano. Não há, inclusive, nenhum exemplo, nem nesteséculo, nem nos dois precedentes, de que um missionário fosse

    26 Designação comum aos mamíferos desdentados da famíliaDasypodidae, com seis gêneros no Brasil e aproximadamente 11espécies.

    27 Em Anônimo, “Prosodia da lingoa [dos Indios]”, século XVIII,in Anônimo, “Dicionario da lingua falada por indios do Brasil,contendo no fim varios textos principalmemte os anteriores escritosna mesma lingua”, Academia de Ciências de Lisboa, MS cota: MA n.569 (doravante, Anôn.2), fol. 55, coluna 4: sob “lobo, animal”.

    28 Em Anôn.1, p. 3: “Abade ou Prelado. Abarégoaçu, Paý goaçú”.29Em Anôn.1, p. 43: “Cão de agoa. Jagoáruçú”.30 Em Anôn.1, p. 43:“Cão. Animal. Jagoára vel Jagoamimbába. Não se diz: xeiagoara, masiagoára xereimbába”.31 Em Anôn.1, p. 123: “Onça, macho. Jagoaretéapyába. [Onça] femea. [Jagoareté] cunhã”; e p. 171: “Tigre.Jagoareté”. Panthera

    onca Linnaeus, 1758, mamífero carnívoro da família Felidae,encontrado (salvo no Chile e nos Andes) em toda a América, desde osudeste dos Estados Unidos.

    32 Em Anôn.1, p. 103: “Igreja. Tupã óca ou Tupãea [?] róca”.

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    ferido por um animal selvagem33. Maracajá34, a raposabrasileira. Este é o nome de um gato selvagem. Um gato doméstico échamado de pixana35; de um modo geral, estes americanos nãosuportam muito os gatos, mas têm uma grande estima por seus cães. Alontra brasileira36. Duas destas surgiram uma vez em que meencontrava numa viagem de barco, e com suas [544] cabeças esticadasfora d’água, acompanharam-nos durante um certo tempo. 14. A Paca37.Certa vez, na Missão de Trocano, um cacique, ou principal,advertiu, na minha presença, seus subordinados, porque ainda nãohaviam trazido uma paca para o padre; e, logo a seguir, eleschegaram da caça trazendo uma. A carne tem um sabor muito bom.Cutia38. Na Missão de Abacaxis, tínhamos uma, jovem, do mesmotamanho de um cachorro, correndo dentro da casa. Aliás, um coelho,na língua da terra, é chamado Tapiti ou Tapiixi39. 16. Sobre asespécies de veados Seovaçu. O nome brasileiro genérico dos veados éçuaçu40. Quando estava em Piraguiri, um grande veado de galhadapequena atravessava o rio Xingu, quando foi perseguido por umapequena embarcação que saiu para caçar. A cor e o sabor da carne seassemelham aos do bezerro.

    II. Da classe das aves. Entre tantas aves americanas, nas terrasparaenses apenas um único pássaro, o Tintíng41, gorjeia como oseuropeus e costuma ser mantido engaiolado; o canto de todos osdemais é agreste. O Tintíng é negro como o breu. Os papagaios. Aprimeira coisa que aprendem, quando são levados a Lisboa [545](onde antigamente havia uma travessa chamada Rua dos Papagaios), é:Papagaio real de Portugal. O nome genérico dos papagaios na línguada terra é Paraguá42. O navio mercante no qual viajei do Maranhãoao Pará em 1753 estava tão lotado dessas belas aves em ambas aslaterais, que quando começavam a gritar em conjunto, não se podiaouvir as próprias palavras. Algumas falavam, outras cantavam,certas outras assobiavam, umas poucas choravam; outras ainda, porseu lado, riam; várias imitavam os clérigos do coro; duas eramensinadas, sendo que uma perguntava e a outra respondia, o que eraagradável de ouvir. O pequeno periquito com manchas azuis. Emgeral, é chamado Pirixíto43 [sic]. Ostentando penas multicoloridas,a Arara44, apesar de sua voz desagradável, também aprende a falar.Existe também uma espécie pequena de aves, que sãoamarelo-douradas45. Costuma-se estripá-las e levar sua

    33 Já o Padre Anchieta, em sua carta de 31 de maio de 1560,sobre as produções naturais de São Vicente, declarava: “Todavia, nomeio de uma multidão tão grande e frequente delas [cobrasvenenosas], o Senhor nos conserva incólumes, e confiamos mais neledo que em contraveneno ou poder algum humano; só descansamos emJesus, Senhor nosso, que é o único que pode fazer com que nenhummal soframos, andando assim por cima de serpentes” (Papavero eTeixeira, 2007, p. 50).

    34 Em Anôn.1, p. 97: “Gato de mato. Maracájá”. Um dos sinônimosda ‘jaguatirica’ Leopardus pardalis Linnaeus, 1758, mamíferocarnívoro da família Felidae, distribuído desde os Estados Unidos(Arizona e Texas) até o norte da Argentina.

    35 Alteração do português ‘bichano’. Em Anôn.1, p. 97: “Gatacaseira. Pixána cunhã; gato. Pixána apyába. Felis”.36 Referência ouà ariranha Pteronura brasiliensis Gmelin, 1788, mamífero carnívoroda família Mustelidae, outrora comum na região

    cisandina da América do Sul, e atualmente só encontrada emregiões pouco desbravadas da Amazônia e do Brasil Central, ou àlontra Lontra longicaudis Olfers, 1818, mamífero carnívoro da mesmafamília, distribuído desde o México até o Uruguai.

    37 Cuniculus paca Linnaeus, 1758, mamífero roedor da famíliaCaviidae, distribuído por quase toda a região cisandina.38Designação comum às espécies de mamíferos roedores da famíliaDasyproctidae, gênero Dasyprocta.39 Em Anôn.1, p. 51: “Coelho.Tapití vulgò Tapiixí”. Sylvilagus (Tapeti) brasiliensis Linnaeus,1758, mamífero lagomorfo da família Leporidae,

    único representante da família no Brasil.40 Em Anôn.1, p. 160:“Veado. Çuaçú. Çuguaçú”. Muito provavelmente, um macho jovem doveado-campeiro Ozotocerus bezoarticus

    Linnaeus, 1759, mamífero artiodáctilo da família Cervidae.41Referência à graúna Scaphidura oryzivora oryzivora Gmelin, 1788,ave passeriforme da família Icteridae.42 Em Anôn.1, p. 125:“Papagayo. Paragoá”.43 Referência de Leiste ao “Blauhals. Psittacusmenstruus”, de Müller (1773, p. 147). ‘Maitaca’ Pionus menstruusLinnaeus, 1766, psitaciforme da

    família Psittacidae, da porção meridional da América Central eoeste-setentrional da América do Sul cisandina (também na vertentepacífica da Colômbia), desde os seus limites setentrionais (daColômbia às três Guianas) até o norte da Bolívia, incluindo o lestedo Equador, o nordeste do Peru, o Brasil oeste-setentrional (doslimites ocidentais da Amazônia ao norte do Maranhão e de MatoGrosso) e central (Tocantins).

    44 Designação comum às aves psitaciformes da famíliaPsittacidae, gêneros Anodorhynchus e Ara.45 ‘Ararajuba’ Guaroubaguarouba Gmelin, 1788, ave psitaciforme da família Psittacidae, doBrasil setentrional, da margem direita do baixo

    Amazonas, no rio Tapajós, para leste, até, primitivamente, todoo nordeste do Brasil (hoje, não além do Maranhão).

  • Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 6, n. 3,p. 593-609, set.-dez. 2011

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    pele, junto com as penas, para Lisboa. São usadas pelasmulheres, em substituição às peles, na ornamentação dos vestidos.Eu havia levado comigo algumas dessas belas aves; contudo, foram-meroubadas em Almeida, juntamente com muitas outras coisas. Sobre asaves pernaltas. O colhereiro vermelho do Brasil, Aiaiá46, parece[546] ser desta espécie, dos quais vi todo um bando na viagem parao rio Xingu, em suas margens. Essas aves, de pernas muito altas ede longos bicos, eram completamente vermelhas. Faziam-se grandesbuquês de suas belas penas, a fim de ornamentar as igrejas. OInambu é uma ave do tamanho de uma galinha. Seu nome brasileiro éçapucaia47. Esta palavra pode ser derivada de Açapuçái48, gritar, oque é muito próprio desses galináceos. Ao galo, comumentedenominado çapucáia-apyába49, o macho da galinha, estes americanostambém dão o nome de gyurá-pajé50 (em português, ave adivinhadora),ou seja, uma ave prenunciadora, do dia. Jacu51, uma bela ave dotamanho de um galo, cuja carne é muito saborosa. Mutum, esta avetem o mesmo tamanho que o Jacu e tem uma cor totalmente preta ebrilhante. O bico é inteiramente vermelho52. Frita, esta ave émuito boa. Atiati53 é uma ave que persegue peixes. Em 1753, noEngenho (moinho de açúcar) de Maracu54, onde há um lago, essas avesrepetidas vezes arribavam em bandos tão grandes que praticamenteobscureciam o sol e atacavam os peixes como que em formação decombate. [547] O Jacamim55 gosta de permanecer onde há muita gente.Por isso, é considerado um amigo dos homens. O Tucano56 deriva seunome do seu grito selvagem; esta ave costuma acompanhar desde longeos navegantes e, como ela voa várias horas à frente deles, já sesabia com muita antecedência quando um barco se aproximava dasMissões. Urubu57, o corvo, é maior que o dos nossos países. Estasaves de rapina estão por toda a parte. No vilarejo de Abacaxis,eram verdadeiros despertadores, uma vez que já se aglomeravam aosmontes no nosso pátio antes de o sol nascer. Existem também corvostotalmente brancos58, mas são muito raros.

    III. Dos Anfíbios, I. Tartarugas59, como: a Jurucuá60. Entre osparaenses, o nome comum das tartarugas é Jurará61. Algumas que têmo pescoço longo chamam-se Matamatá62. Uma outra espécie tem pornome

    46 ‘Aiaiá’ ou colhereiro Ajaja ajaja Linnaeus, 1758, aveciconiiforme da família Threskiornithidae, de rios, banhados epraias lodosas da América, desde o sul dos Estados Unidos(Califórnia, Flórida etc.), a América Central e algumas das GrandesAntilhas, até o estreito de Magalhães (e as ilhas Malvinas), semexcluir a vertente do Pacífico (Chile); no Brasil, primitivamente,em todos os estados; nos dias atuais, quase que tão somente naAmazônia e outras grandes bacias.

    47 Trecho um tanto confuso, a menos que se entenda que Eckartqueira se referir à palavra ‘galinha’ e não ao inhambu. Em Anôn.1,p. 97: “Gallinha. Çapucáia cunhá”.

    48 Em Anôn.1, p. 99: “Gritar chamando, Açapucái”.49 Em Anôn.1,p. 97: “Gallo.Çapucáia apyába”.50 Em Anôn.1, p. 97: “guyrá pajé,pássaro adivinhador”.51 Designação comum a várias aves galiformesda família Cracidae, gênero Penelope, frequentes nas matasprimitivas do Brasil.52 Referência ao ‘mutum-cavalo’, Mitu mitumitu Linnaeus, 1766, originalmente da faixa oriental florestada doNordeste do Brasil, incluindo Alagoas e

    nordeste da Bahia, e Mitu mitu tuberosa Spix, 1815, da porçãoamazônica da Colômbia (rio Uaupés), do Peru e da Bolívia, Brasiloeste-setentrional, ao sul do rio Amazonas, incluindo o Mato Grosso(rio das Mortes) e o extremo leste do Pará (rio Capim), avesgaliformes da família Cracidae.

    53 Nome indígena das gaivotas.54 A casa jesuítica de Maracusituava-se junto ao lago e rio homônimos, na região da atual Viana,no baixo rio Pindaré.55 Designação comum a várias aves gruiformesda família Psophiidae, gênero Psophia, da região amazônica.56Designação comum às aves piciformes da família Ramphastidae, gêneroRamphastos.57 Em Anôn.1, p. 56: “Corvo. Urubú”. Designação comum àsaves falconiformes da família Cathartidae, de cabeça pelada, que sealimentam

    de carnes em decomposição.58 Urubu-rei Sarcoramphus papaLinnaeus, 1758, ave falconiforme da família Cathartidae,distribuída do México à Argentina.59 Em Anôn.1, p. 152: “Tartaruga.Jurará, gaarará, se são de Rio: do mato, ou cágado, Jabuti: outrascom pescoço comprido e torto, Matámatá.

    Outras, Tracajá”.60 É a ‘suruanã’ Chelonia mydas Linnaeus, 1758,réptil quelônio da família Cheloniidae, dos mares tropicais.61 EmAnôn.1, p. 152: “Tartaruga. Jurará; goarará, se são de Rio”. Nomeaplicado a diversas tartarugas, como a ‘aperema’, a ‘muçuã’ e a

    tartaruga-do-amazonas.62 Em Anôn.1, p. 152: “Tartaruga, outrascom pescoço comprido e torto, Matámatá”. Chelus fimbriatusSchneider, 1783, réptil quelônio da

    família Chelidae, aquático, que ocorre na maioria das grandesbacias de drenagem do norte da Bolívia, leste do Peru, Equador,leste da Colômbia, Venezuela, Guianas e norte e centro do Brasil.Também foi encontrada em Trinidad.

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  • As notas do Padre Anselm Eckart, S. J., sobre alguns animais doEstado do Grão-Pará e Maranhão (1785)

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    Tracajá63. Uma tartaruga comestível64. Todas as que sãocapturadas em águas doces, como nos rios Tocantins, Xingu, Tapajóse Madeira, servem frequentemente de alimento. Neste último rio, astartarugas são tão grandes que muitas pessoas podem fartar-se comuma única apenas. A carne, porém, não é tão macia quanto a dastartarugas do [548] rio Xingu*. Nas vizinhanças do Madeira,realiza-se anualmente uma grande caça às tartarugas no mês deoutubro, quando também é feita a manteiga de tartaruga. Nessaépoca, elas depositam seus ovos na areia e enterram-nosprofundamente. Ali se reúne um grande número de barcos vindos doPará e dos lugares adjacentes, permanecendo por três a quatrosemanas. Os portugueses trazem seus grandes e bojudos potes debarro, de quatro a cinco litros, como também uma ampla caldeira. Osíndios logo percebem, pela elevação da areia, onde se ocultam osovos: estes são completamente redondos; a casca não é dura, mas simrevestidos por uma pele grossa. Por vezes, uma tartaruga põe cercade 100 ovos, os quais são mexidos na caldeira sobre o fogo até quese desfaçam e se fluidifiquem como óleo. Esta é a manteiga comumaqui das cidades, como também das comunidades e vilarejos, usadanas cozinhas para derreter, porque a manteiga clarificada é rara naAmérica Portuguesa. A que vem de Portugal é muito cara. Uma terrinade barro com duas alças (os brasileiros dizem camuti ou çuru65),repleta de manteiga de tartaruga, é vendida no Pará por três ouquatro cruzados. [549] As tartarugas que se detêm na água salgadanão servem de alimento, exceto para o índio que sente muita fome, oqual (conforme vi certa vez) também comerá carne de macaco. Oscascos dessas tartarugas (cuja espécie não é muito abundante) sãolevados para a Europa e são caros66. Antes de minha partida deCaeté67, um índio trouxe-me um casco de uma dessas tartarugas queele havia capturado. São dez ou 11 peças, algumas maiores, outrasmenores. Jaboti, uma tartaruga terrestre. O nome exato é Jabuti68.Estes não são tão grandes quanto as anteriores. O tamanho comum éde um palmo ou palmo e meio; eles apreciam a pacova [banana], com aqual costumam ser alimentados nas casas até que engordem. Oestranho é que este

    63 Em Anôn.1, p. 152: “Tartaruga. Outras, Tracajá”. Nome dado àfêmea do réptil quelônio da família Podocnemididae Podocnemisunifilis Troschel in Schomburgk, 1848, da Amazônia.

    64 Referência à tartaruga-do-amazonas. Ver nota 4. Em Eckart(1890, p. 5-6), lemos: “Hâc ipsa in Missione Abacaxis (...) cumpiscatores frequentissimè, diebus praesertim Sabbati e lacu, vulgolago de Sampayo, afferrent testudines, tantae magnitudinis, ut exuna personae decem ad satietatem prandium sibi parare possint, episcatoribus ubi quaerebatur, quot essent testudines? Cocecói Rai!h. e., Ecce Pater! reposuerunt, bacilli ei porrigentes oblongum,(hoc talca etiam appellatur) cui tot inciderunt crenas (Schnitte amKerbholz) quot jurás (jurarás Brasilicè testudo) attulerant.Incisuram autem decimam semper reddiderunt majorem: Et sic duntaxatrecensendo crenas, testudinum numerus jam sciebatur: tulerunt veroplerumque unâ pro hebdomade quadraginta, et plures” (“Nessa mesmaMissão de Abacaxis (...), quando, muitas vezes, os pescadores,principalmente aos sábados, traziam de um lago, vulgarmente chamadolago de Sampaio, tartarugas de um tamanho muito grande que, de umasó, poder-se-ia preparar uma refeição farta para dez pessoas,perguntávamos aos pescadores onde e quantas tartarugas havia.Cocecói Rai!, isto é, Olha, Padre!, respondiam, apresentando olongo de uma vara (também chamada talca), onde haviam entalhadotantos cortes (Schnitte am Kerbholz) quantas jurás (jurará étartaruga em brasileiro) tinham trazido. Sempre faziam maior, noentanto, o décimo entalhe: e assim, somente contando os entalhes,já se sabia o número de tartarugas: com efeito, traziam, na maiorparte das vezes, quarenta para uma semana e até mais”). Tradução deAbner Chiquieri.

    * Nota da publicação original: Veja-se a p. 481. M[urr]. [Otrecho a que remete essa nota, à p. 481, diz: “Unter denniedlich-/sten und schmackhaftesten Speisen allhier ist die/Schildkröte, so zwo Spannen Lang, und dem/ Hübner, oder zartestenKalbfleische sehr nahe/ kommt. Von einer Schildkröte pflegen vierun-/terschiedliche Speisen zugerichtet zu werden”].

    65 Em Anôn.1, p. 160: “Vaso. Camutí, meliùs Çurú, vg jandýrurú,ajuntandolhe a cousa, q’ conserva; e se he de servir p.a azeite,vinho &c se dirá: jandýrurúrama”.

    66 Referência à tartaruga-de-pente Eretmochelys imbricataLinnaeus, 1766, réptil quelônio da família Cheloniidae (subfamíliaCheloniinae), dos mares tropicais.

    67 Cäáeté, Caeté ou Vila de Souza do Caeté é a atual Bragança,no estado do Pará. Para a história de Caeté (1750-1753), verOliveira (2008).68 Em Anôn.1, p. 152: “Tartaruga. do mato, oucágado, Jabutí”. Chelonoidis carbonaria Spix, 1824 ocorre do Panamáaté o Rio de Janeiro,

    Bolívia, Paraguai e norte da Argentina, a leste dos Andes;Chelonoidis denticulata Linnaeus, 1766 ocorre do sudeste daVenezuela, Guianas, Equador, Colômbia, nordeste do Peru, norte eleste da Bolívia e Brasil, e ilha de Trinidad. Répteis quelônios dafamília Testudinidae.

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    animal possui um fígado muito grande, que preenche todo um pratogrande e tem um sabor muito bom, a ponto de ser preferido, ou pelomenos comparado, ao fígado de porco. A carne do jabuti, caso nãohaja um cozinheiro hábil, não é tão apetitosa. Lagartos, ocrocodilo, Jacaré69. Como é do conhecimento geral, é um predadormonstruosamente grande, terrível e feroz. Quando cheguei ao Pará,em 1753, e fiz a [550] primeira visita ao Governador [FranciscoXavier de] Mendonça Furtado, vi, em sua antessala, um jacaréestripado e preenchido com outra coisa. A boca era tão ampla quepodia engolir facilmente uma criança pequena de uma só vez. Osdentes maiores eram tão grandes que serviriam como armas de ataque.Certa vez, na quinta de Jaguarari, perto do Pará [Belém], eu meencontrava, depois do jantar, na sacada da casa, quando chegou coma brisa um cheiro muito agradável da correnteza do rio; quandoperguntei de onde ela provinha, um português disse-me que umcrocodilo acabara de passar nadando e que essa era a origem dessecheiro tão ameno. Nunca vi o corpo todo de um jacaré na água,apenas a cabeça, que estica para fora, para logo submergir de novo.Costumam nadar atentos ao largo das praias, à espreita de algo paraabocanhar. Um cachorro é um petisco para eles, daí o conhecidoprovérbio: ut canis e Nilo70, rio este que é mal afamado pelaquantidade de crocodilos*. Contudo, também vão atrás de carnehumana, como ocorreu com um menino, [551] sentado num pequenobarco, que foi devorado por eles. No vilarejo de Trocano, certavez, chegou um índio cuja camisa pendia tão baixo do braçoesquerdo, que não se via a mão; quando eu lhe disse para puxar acamisa mais para cima, ele respondeu que não tinha mão, porque,quando estava pescando, subitamente apareceu um jacaré do ladoesquerdo e trincou-lhe a mão toda. Em outro país da América, ojacaré também é chamado de caimão, e se alguém quiser desejar mal auma pessoa, dirá: que o caimão te devore! O iguana, Senembi, pareceser o camaleão, ou o denominado ‘lagarto-ratazana’. Os brasileirosdizem: cenembu71. Na viagem para Abacaxis, um deles se encontravanuma árvore e foi abatido com sucesso pelas flechas dos índios dobarco. Eles prepararam um bom almoço com essa carne, que é brancacomo a de vitela ou de um frango. O sabor não é nem um poucodesagradável. Tejuguaçu. Esta espécie de lagarto normalmente éterrestre, pelo que os portugueses o chamam de Lagarto da terra72.Lagarto do braço73, como os pés são semelhantes ao braço humano,chama-se em brasileiro [552] Jybaypí ou gibaypí; pelo contrário, oLagarto da perna74 é conhecido por Ubypú. 3. Serpentes. Acascavel75. Essa espécie de serpente não tem um comprimentoextraordinário. A maior que vi, em Piraguiri, media cerca de cincocôvados. Ela veio rastejando desde o rio Xingu em direção à

    69 Em Anôn.1, p. 107: “Lagarto de agoa: Jacaré”. Designaçãocomum a todos os répteis crocodilianos da família Crocodylidae (=Alligatoridae).70 Como o cão (que bebe) do Nilo (rapidamente, antesque seja abocanhado por um crocodilo).* Nota da publicaçãooriginal: O crocodilo do Nilo tem cinco dedos livres nas patasdianteiras e quatro nas patas traseiras, dos quais três sãoarmados

    de unhas, ao passo que o crocodilo americano possui cinco dedostanto nas patas dianteiras como nas traseiras, todas com unhas.M[urr].71 Anôn.1, p. 42: “Camaleão, Chameleon, Ratten-Eidex[eidechse]. Cenembú”. É o iguana, Iguana iguana Linnaeus, 1758,réptil lacertílio da

    família Iguanidae, do México e das ilhas do Caribe até asregiões temperadas e tropicais do Brasil, às proximidades doparalelo 20o S.72 Padre Leonardo do Valle (1585) in Drumond (1952,v. II, p. 17): “Lagarto da terra - Tejû. Tajuguaçû”; Anôn.1, p.197: “Lagarto de terra,

    Teiú”; Anôn.2, fol. 54, coluna 1: “Lagarto da terra – Teiú”.Teiú, Tupinambis teguixin Linnaeus, 1758, réptil lacerílio dafamília Iguanidae.73 Em Anôn.1, p. 107: “Lagarto [do] braço;Lacertus, Jybaypý ou gibaypý”. No “Nomina anatomica”, do Padre Perode Castilho, S. J., livro composto

    em 1613 (Ayrosa, 1937; Bezerra et al., 2000, p. 188), consta:“Iibaipiaiýa = Lagarto do braço” (bíceps do braço). Montoya (1640)registra: “Lagarto del braço. Yıbá y pï. Yïbá ñêã”. Novamente,Eckart considerou um músculo com um réptil. Também em Anôn.1, p.39: “Bucho do braço, Lacertus. xeyibá röó”.

    74 Em Anôn.1, p. 107: “Lagarto da perna – ybypý vg. xejybypýjibypý”. O Padre Castilho dá “Ûba poã aiýa = Lagarto” (ventremuscular da perna) (Bezerra et al., 2000, p. 190).

    75 Cascavel, Caudisona durissa Linnaeus, 1758 (Crotalus durissusLinnaeus, 1758), réptil ofídio da família Crotalidae, comum naszonas secas, raro no extremo Sul e na Amazônia, facilmentereconhecível pela presença de guizo ou chocalho na ponta dacauda.

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    casa da Missão, mas foi de pronto morta por meninos americanos,que vieram correndo com grandes varas, cuidando para logo acertarema cabeça. A cobra-rei, Boiguaçu76, que significa cobra grande, deBoia, que é o nome genérico das cobras, e guaçie [sic, guaçu],grande. O Padre Malagrida77 contou que viu uma vez uma

    76 Jiboia, Boa constrictor constrictor Linnaeus, 1758, e Boaconstrictor amarali Stull, 1932, répteis ofídios da família Boidae,do México (Yucatán), Belize, Guatemala, Honduras, El Salvador,Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Venezuela (Mérida),Guianas, Peru, Bolívia, Brasil, Argentina, Paraguai, Trinidad,Tobago e Antilhas. Vivem nas florestas ou nos campos, sãoarborícolas e alimentam-se de roedores e aves; comprimento: até 4m. Apesar de não venenosos, sua mordedura dói e pode causarinfecção. A pele é largamente usada na confecção de artefatos decouro.

    77 Gabriele Malagrida nasceu em 5 de dezembro de 1689, emMenaggio, na margem ocidental do lago de Como, na Lombardia,Itália. Desde criança, deu provas de engenho e, ao mesmo tempo, deuma tendência exagerada para o misticismo. Aos 12 anos, foi enviadoa estudar com os padres somascos de Como e, demonstrando interessepara a vida religiosa, acabado o ensino médio, foi a Milão, aoColégio Helvético, para iniciar seus estudos de Filosofia eTeologia. Em 1711, querendo tornar-se religioso, aproximou-se dosjesuítas de Como e foi admitido como noviço. Foi destinado paraprofessor do ginásio na ilha de Córsega e, após completar osestudos de Teologia em Gênova, pediu ao superior Gela, da Companhiade Jesus, para ser destinado como missionário nas Índias. Malagridatornou-se sacerdote jesuíta em 23 de outubro de 1711. Partiu paraas missões no Estado do Grão-Pará e Maranhão em 1721. No Maranhão,começou a aprender a língua indígena. Em 11 de outubro de 1723,seus superiores designaram-no como pregador do Colégio de Belém.Nesse mesmo ano, foi enviado pela primeira vez, como missionário,aos índios Caicazes, ao longo dos rios Itapicuru e Munim, noMaranhão. Dessa nação indígena, passou a outras: os Guanarés e osBarbados, no rio Mearim, onde sofreu maus bocados, quer pelaresistência dos feiticeiros da tribo, quer pela epidemia de pesteque assolava os índios. Permaneceu entre eles até 1727, comaventuras arriscadas e dignas de um romance, mas dando sempreprovas do misticismo extravagante que tão fatal lhe haveria de ser– pretendia que vozes misteriosas lhe falavam, que tudo erammilagres e prodígios; julgava-se um favorito do céu. Em 1727, porordem dos superiores, voltou a São Luís para reger, no colégio dosjesuítas, a cadeira de Belas Letras. Mas, logo voltou a catequizaros índios, em 1728, conseguindo amansar uma das tribos mais ferozesdo interior – a dos Barbados, entre os quais fundou uma missão, queteve logo grande desenvolvimento. Em 1730, voltou novamente a SãoLuís e foi encarregado de reger, ao mesmo tempo, Teologia e BelasLetras. A partir de 1735, iniciou sua segunda fase – a de‘missionário apostólico’, ou missionário popular, quando, deixandoSão Luís, dirigiu-se, via Piauí, para a Bahia, pregando missõespopulares por todas as localidades por que passava, promovendo arenovação espiritual por meio dos Exercícios Espirituais Inacianose animando a vida religiosa do interior, até então desamparadoespiritualmente. Chegou a Salvador em 1738 e continuou suaspregações populares com grandes conversões, em número e qualidade.Lá iniciou um convento para ‘convertidas’ e um seminário para oclero diocesano. De 1741 a 1745, andou por Pernambuco e pelaParaíba, sempre pregando retiros e tomando iniciativas de fundaçãode conventos e seminários. Entre 1746 e 1749, permaneceu noMaranhão e no Pará, onde continuou sua ação de pregador de missõespopulares, até que concebeu a ideia de ir a Portugal solicitar aaprovação do Rei para funcionarem legalmente suas fundações econseguir recursos. Chegado a Lisboa em 1750, assistiu aos últimosmomentos de vida do rei D. João V. Permaneceu nessa capital até1751, quando se dirigiu novamente ao Maranhão. Em 1754, voltoudefinitivamente a Portugal, a rogo de D. Mariana d’Áustria, viúvade D. João V. Nessa altura, estava no poder o Marquês de Pombal,que não deixou Malagrida entrar na intimidade da rainha viúva.Dirigiu-se, então, o jesuíta, para Setúbal, onde depois teve anotícia da morte da soberana. Sobreveio o grande terremoto deLisboa de 1755 (Hervey, 1785, p. 11-16 [Carta IV. Lisboa, 16 deJaneiro de 1759], p. 17-25 [Carta V. Lisboa, 14 de janeiro de1759], p. 31-36 [Carta VII. Lisboa, 25 de janeiro de 1759], p.37-41 [Carta IX. Lisboa, 30 de janeiro de 1759]), ali estandoMalagrida. A catástrofe ocasionou terror imenso na população dacapital. Para levantar os espíritos abatidos, Pombal mandou compore publicar por um padre um folheto em que se explicavam as causasnaturais dos terremotos e se desviava a crença desanimadora de quefora castigo de Deus e de que eram indispensáveis a penitência e acompunção. Saiu a campo, indignado, o padre Malagrida, escrevendoum folheto intitulado “Juízo da verdadeira causa do terremoto quepadeceu a Corte de Lisboa no 1º. de novembro de 1755”. Nesseescrito, combatia com indignação as doutrinas do outro padre quePombal fizera espalhar; atribuía a castigo de Deus o terremoto,citava profecias de freiras, condenava severamente os quelevantavam abrigos nos campos, os que trabalhavam em consertar asruínas da cidade e recomendava procissões, penitências e,sobretudo, recolhimento e meditação de seis dias nos exercícios desanto Inácio de Loiola. O Marquês de Pombal não era homem quepermitisse semelhantes contrariedades. Mandou queimar o folhetopela mão do algoz e desterrou Malagrida para Setúbal. Passava-seisto em 1756. O jesuíta imaginava que, com o seu prestígio detaumaturgo, podia lutar contra a vontade do Marquês. Parece que, deSetúbal, escreveu mais uma carta ameaçadora, carta que, depois doatentado dos Távoras contra o rei, em 3 de setembro de 1758, podiater uma terrível significação. Pombal acusou Malagrida de tercolaborado na tentativa de regicídio, denunciando-o à Inquisiçãocomo falso profeta, impostor e, pior de tudo, de ser um herege, oque equivalia à morte na fogueira. Septuagenário, alquebrado pelostrabalhos passados e pela prisão doentia, Malagrida tornou-sedemente, persistindo obstinadamente em suas crenças. Entregue àInquisição de Lisboa, foi acusado de heresia e condenado ao garrotee à fogueira num auto-de-fé, que ocorreu aos 21 dias de setembro de1761, tendo sido queimado no Rossio, a praça principal de Lisboa(The Process..., 1759; Sentença..., 1762; Unparteyische..., 1784;Un monumento..., 1888; Butiña, 1886, 1902; Carayon, 1865; Govoni,1992; Hazin, 2002; Hervey, 1785, p. 17-25 [Carta V. Lisboa, 14 dejaneiro de 1759], p. 26-30 [Carta VI. Lisboa, 20 de janeiro de1759], p. 42-50 [Carta X. Lisboa, 3 de fevereiro de 1759], p. 51-58[Carta XI. Lisboa, 7 de fevereiro de 1759], p. 59-69 [Carta XII.Lisboa, 10 de fevereiro de 1759], p. 70-88 [Carta XIII. Lisboa, 13de fevereiro de 1759], p. 89-106 [Carta XIV. Lisboa, 16 defevereiro de 1759], p. 107-117 [Carta XV. Lisboa, 20 de fevereirode 1759], p. 209-217 [Carta XXV. Lisboa, 8 de abril de 1759];Magalhães e Brito, 1761; Parisot, 1761; Mury, 1875, 1899).

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    dessas cobras de tamanho incomum do outro lado do rio, lutandocom um crocodilo. Conta-se de um português que, ao passar por umafloresta, sentou-se num tronco abatido (conforme imaginava) a fimde descansar um pouco; notou que o seu assento começou a mover-se eque, na realidade, era uma cobra que se enrolara em um círculo;após o quê se pôs de novo imediatamente a caminho. São muitas asespécies de cobras; apenas das que têm uma picada mortal,encontram-se, na língua brasileira, seis78 com os seguintes nomes:Jararaca79, Boipeba80, Surucucu81, Boiquatiara82, Ibijara83,Piririón84.

    [553] Em uma quinta perto do Pará [Belém], na qual eu estavapresente, um menino procurava algo no capim, quando subitamentecomeçou a gritar desesperadamente de dor, devido à picada mortal deuma cobra. A mão e o braço incharam assustadoramente e começaram aficar pretos. Foi preciso cortar imediatamente porções inteiras decarne, a fim de salvar-lhe a vida. Mocotó85 é um sapo americano,cujos pés, dizem, têm uma força tão milagrosa que aquele que oslevar junto ao corpo não poderá ser afetado por nenhum veneno. Onome comum [do sapo] entre os brasileiros é cururu86. As rãstampouco faltam neste país. As menores são chamadas Juí87, asgrandes, Joué88. Aquelas que coaxam à noite em lugares pantanosossão as cotára89. O gênero dos ratos ali também é muito fecundo.Entre os brasileiros, o nome comum dos ratos é guaviru90. Naprimeira noite em que cheguei à Missão de Abacaxis, eu deixeialgumas trouxas com penas europeias no chão, as quais encontrei,cedo no dia seguinte, picadas grosseiramente pelos ratos. A espéciemaior de ratos que correm nas florestas chama-se Cabója [sic]91;outros ratos do campo e da floresta são os Atúra92. Os maiores detodos, igualando-se a jovens gatos, ou que podem ser ainda maiores,são denominados Mucura93. Estes [554] também são procurados econsumidos pelos europeus como um interessante petisco. Opeixe-tremedeira ou Torpedo, que os

    78 Em Anôn.1, p. 50: “Cobra, Serpens, coluber. São de variasgastas [sic], q’ matão, Jararáca. boipeba. Çurucúcú. Boicoatiára.Ybijara. piririón”.79 Designação comum a várias espécies de répteisofídios da família Crotalidae, gêneros Bothriopsis, Bothropoides eBothrops.80 Boipeva, provavelmente Waglerophis merremii Wagler,1824, muito comum em todo o Brasil. Quando irritada, a boipevaachata o corpo,

    sobretudo o pescoço.81 Provavelmente a surucutinga, Lachesismuta muta Linnaeus, 1766, réptil ofídio da família Viperidae, daGuiana, Suriname, Guiana

    Francesa, Venezuela, Trinidad, Bolívia, Peru, Colômbia, Equadore Brasil (Amazônia, hileia do Maranhão), que pode atingir 3,60 m decomprimento. É a maior cobra venenosa do Brasil.

    82 Boicoatára, Boiquatiara, nomes da urutu, Bothrops alternatusDuméril, Bibron & Duméril, 1854, réptil ofídio da famíliaViperidae, do centro e sul do Brasil, Paraguai, Uruguai e norte daArgentina. Não ocorre na Amazônia. Eckart deve ter se baseado emvocabulário escrito por algum jesuíta do sul do Brasil.

    83 Ibijara, designação indígena das cobras-de-duas-cabeças,répteis lacertílios da família Amphisbaenidae.84 Quiririó, um dosnomes da urutu. Ver nota 82.85 Sapo não identificado. Eckart foi oprimeiro a registrá-lo. O nome vai ser repetido por Araújo eAmazonas (1984 [1852]), p. 18; Tastevin

    (1923, p. 720 [“Mocotó - Sapo roncador”]); Ihering (1936, p.310; 1940, p. 518; 1968, p. 460); Freire (1954, p. 3461); Tierno(1954, p. 493). Como mócótó em Baena (1840, p. 115 [sapo]) eBeaurepaire-Rohan (1889, p. 95 [repete Baena]).

    86 Em Anôn.1, p. 145: “Sapo, bufo, garten-krot. Cururú”.Designação comum a alguns sapos de grande porte de pele enrugada,principalmente do gênero Ranilla (ex Bufo).

    87 Em Anôn.1, p. 138: “Rãa. Rana, Juí”.88 Em Anôn.1, p. 138:“Rãa g.de Joue”.89 Cotorá em Piso (1658, p. 298), uma rã nãoidentificada. Em Anôn.1, p. 138: “Rãa, outras nos rios canta denoite Cotára”. São os dois

    únicos autores a citar este nome.90 Em Anôn.1, p. 139: “Ratodoméstico. Guabirú”. Rattus rattus Linnaeus, 1758, mamífero roedorda família Muridae, cosmopolita.91 Em Anôn.1, p. 138: “Rato domato. Çagoiá. V. Saboiá. çauoiá. outra gasta [sic]: Aturá”. Sauiá,um dos sinônimos dos ratos-de-espinho, designação

    comum aos mamíferos roedores das famílias Cricetidae (gêneroNeacomys) e Echimyidae, caracterizados por terem os pelos em formade cerdas espinhosas, sobretudo na região dorsal, onde pelosaristiformes sobressaem aos setiformes. Arborícolas, notívagos,preferem para morada as áreas ribeirinhas e emitem periodicamenteum som característico, que lhes valeram o nome popular de toró oucoró.

    92 Aturá. Este vocábulo, que só aparece em Eckart (1785), noAnôn.1 (p. 138) e no Anôn.2 (fol. 72r), é provavelmente um erro porarúrú ou arurú, nomes registrados por Montoya (1639, p. 70r [1876,p. 70r]), sob “especie de ratones”, e Montoya (1640, v. 2, p. 167),sob “raton”.

    93 Didelphis marsupialis Linnaeus, 1758, mamífero marsupial dafamília Didelphidae.

  • As notas do Padre Anselm Eckart, S. J., sobre alguns animais doEstado do Grão-Pará e Maranhão (1785)

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    portugueses denominam Tremelga94, é encontrado no Engenho deMaracu, perto do Maranhão [São Luís]. Um peixe-chifre etc. Eu vi emCaeté uma espécie igual95. Não são peixes muito grandes; sãopescados em lugares pantanosos e nas águas paradas das florestas.As escamas são tão duras e juntas, que podem ser comparadas a umaarmadura. Outras espécies, também do gênero dos peixes. Entreestes, podem ser os preferidos, tanto pelo tamanho quanto pelaquantidade de carne, os que os portugueses chamam de Peixe-boi96.Os brasileiros dão-lhe o nome de Iguaraguá. Ele é tão grande epesado, que 30 a 40 jovens se unem para puxá-lo com uma corda damargem até a casa: do boi ele nada mais tem do que a semelhança daboca. Em ambos os ouvidos, ele tem um pequeno osso alongado, de usomedicinal. Reduzido a pó, dizem ter a virtude de eliminar a febre.A carne pode ser preparada como a do porco: assada, frita,defumada. Também são feitos chouriços. A carne se assemelhabastante à do porco; o toucinho [555] tem a espessura de dois atrês dedos. Grelhado ou frito, cortado em pequenos, mas espessospedaços, regado à manteiga97, é guardado por muito tempo em grandesrecipientes e, desta maneira, poderia ser transportado para aEuropa, sem adquirir um mau odor. Na aldeia de Abacaxis e em seusarredores, muitos desses peixes-bois são capturados. O índio jogasobre o peixe que vem nadando um grande anzol, que se encravaprofundamente na carne firme e, assim, esse enorme peixe é trazidosem grande esforço por uma pequena embarcação à terra, onde perdetodo o seu sangue. Na dita aldeia, certa vez chegou um dessespeixes, o qual, uma vez aberto, revelou conter um filhote de umcôvado e meio. Pirarucu98 é um peixe muito grande: a língua medequase um palmo, é muito áspera e, devido às pontinhas afiadas,serve de ralador. É um alimento rústico, como o nosso bacalhau, ou,conforme é conhecido em Portugal e em outros lugares, o bacalhau detodos os dias. Em Piraguiri, certa vez, eu estava observando osnossos jovens americanos da casa, com que destreza preparavam estepeixe. Eles subiam numa elevação no pátio feita de juçara99. Aqui,a partir dessa madeira, são produzidos sarrafos. Primeiro,estendiam algumas grandes folhas da árvore pacova [bananeira], paraque [556] tudo fosse feito com limpeza no corte, na estripação e nadissecção. Piraíba100 é também um peixe grande de bom sabor. Seunome não se relaciona com a ação, pois este termo parece sercontraído de duas palavras: Pirá, peixe, e aïba, mau ou pernicioso.Surubim101 é um peixe menor, mas bem delicioso, e está muitopresente no rio Xingu. Igualmente saboroso é o Jandiá102.Tucunaré103. Este peixe, assim como os dois precedentes, tem queser consumido fresco, pois rapidamente começa a cheirar mal. De ummodo geral, nenhum peixe permanece fresco durante muitas horasnestas paragens, devido ao calor excessivo. Caso se queiraguardá-lo até o dia seguinte, será preciso fritá-lo ou entãopolvilhá-lo com sal. Tambaqui104 é também um peixe bom e seassemelha à nossa carpa. Piranambu105

    94 Referência ao poraquê ou peixe-elétrico, Electrophoruselectricus Linnaeus, 1758, peixe gimnotiforme da famíliaElectrophoridae, da Amazônia.95 Referência a um baiacu, peixetetraodontiforme da família Tetraodontidae.96 Igoaragoá. Em Anôn.1,p. 128: “Peixe... boy. Igaragoá”. Trichechus inunguis Natterer,1833, mamífero da ordem Sirenia, família Trichechidae,

    da bacia do Amazonas.97 É a chamada mixira.98 Arapaima gigasSchinz, 1822, peixe osteoglossiforme da família Arapaimidae, dabacia amazônica. Comprimento de até 2,5 m, peso de até

    80 kg. É o maior peixe de escamas do Brasil. A pesca é feita comanzóis ou com arpão. A língua é usada para ralar o guaraná e aescama para lixar unhas. Defende seus alevinos recolhendo-os naboca. A carne, fresca, salgada ou seca (piraém), é muitoapreciada.

    99 Euterpe edulis Martius, da família Arecaceae.100Brachyplatystoma filamentosum Lichtenstein, 1819, eBrachyplatystoma capapretum Lundbergh & Akama, 2005, peixessiluriformes da família

    Pimelodidae, dos rios Amazonas, Tocantins, Madeira eAraguaia.101 Designação comum a várias espécies de peixessiluriformes da família Pimelodidae, dos gêneros Brachyplatystoma,Platysytomatichthys,

    Pseudoplatystoma, Sorubim e Steindachneridion.102 Designaçãocomum a várias espécies de peixes siluriformes da famíliaPimelodidae.103 Designação comum a várias espécies de peixesperciformes do gênero Cichla (família Cichlidae).104 Colossomamacropomum Cuvier, 1816, peixe caraciforme da família Characidae(Serrasalminae), das bacias dos rios Amazonas e

    Orenoco.105 Pinirampus pirinampu Spix & Agassiz, 1829, peixesiluriforme da família Pimelodidae, dos rios Amazonas e Tocantins,assim como de Mato

    Grosso, Guianas, Venezuela, Bolívia e Paraguai.

  • Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 6, n. 3,p. 593-609, set.-dez. 2011

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    e Piramutaba106 são igualmente peixes brasileiros nadadesprezíveis. Piranha107 é um peixe pequeno, mas que tem uma bocaafiada, da qual também deriva esse nome, o qual, na línguabrasileira, significa o mesmo que tesoura. Certa feita, durante umaviagem, um dos barqueiros indígenas pescou uma delas e foi mordidocom tanta força, que levou muito tempo até que lhe estancassem osangue que fluía abundantemente. [557] O peixe lampreia chama-se,na língua da terra, caramuru108. O largo peixe também chamado raiaé a guabibura109 dos brasileiros. Aqui também é encontrado ocaranguejo marinho, em português camarão, em brasileiro Poti110;bem como ostras, que são chamadas Reri111. As conchas queimadasfornecem uma boa cal, o Rericuí112. Devo ignorar os gêneros dosinsetos e dos vermes. Os primeiros existem em notáveis quantidades,em todos os lugares*. Com

    106 Piramutana piramuta Kner, 1858, peixe siluriforme da famíliaPimelodidae, da Amazônia.107 Designação comum a vários gêneros eespécies de peixes caraciformes da família Characidae (subfamíliaSerrasalminae).108 Nome geral aplicado a diversos Muraenidae.109Goabibúra. Em Anôn.1, p. 138: “Raya, peixe. Jabebyra.goabibúra”.110 Em Anôn.1, p. 42: “Camarãens, gammarus, Meer-Brebs.Poti”.111 Em Anôn.1, p. 124: “Ostra geralmte ostrea: Reri”.112 EmAnôn.1, p. 124: “Ostra; unde reriçüí, cal de ostra, ou ostra feitaem pó”.* Nota da publicação original: Na p. 512 acima já houve ainformação sobre os caranguejos, e na p. 520 sobre as formigas. Umaaranha, maior

    que a chamada comedora de beija-flores (Aranea avicularisLinn.), é tão grande que os portugueses mandam engastar em ouro oaguilhão da boca [quelíceras], em forma de garra, como palitos dedentes. Os portugueses denominam-na, conforme me ensinou o sr.Padre Eckart, aranha caranguejeira, a aranha-caranguejo. Araneihujus, in Brasilia maximi, unicus pilus, escreveu-me ele em 1780,si tantum carnem tetigerit, ut saepius audivi, (nec eam tam propecontemplatus fui) causa est dolorum maximorum. É provável que sejaesta a mesma espécie de aranha do vizinho Paraguai, da qual o sr.Padre Martin Dobritzhoffer escreve na segunda parte da sua Históriados Abipones no Paraguai, p. 407 da versão alemã: “É precisocuidar-se sobretudo de certas aranhas grandes, que os espanhóisdenominam Arañas peludas, e os Guaranis ñanduquazú [sic], asgrandes. Seu corpo mede três polegadas e consta de duas partes. Aanterior é maior, cerca de duas polegadas de comprimento, uma emeia de largura e ligeiramente achatada; a outra, ao contrário,parece mais redonda e se assemelha a uma noz moscada quanto aotamanho e a forma. Suas costas perfuradas substituem o lugar de um[?]. Seus olhos brilhantes constam de pequenos pontos. Muitaspessoas engastam em ouro seus dentes (presas) longos e extremamenteafilados, por sua excepcional beleza, sendo usados na limpeza dedentes e para outros fins. Toda a pele desta aranha está cobertacom pelos curtos e pretos, mas que são tão suaves ao toque quepoderiam ser tomados por seda. Ela tem dez pernas compridas,peludas, dotadas de ganchinhos irregularmente dispostos, as quaisse assemelham, nas extremidades, a espécies de pinças decaranguejo. Estas pernas lhe servem de mãos e pés. Irritada, elapica qualquer pessoa. A mordida quase invisível revela uma certaumidade, um abcesso negro-azulado e a dor lancinante subsequente. Apeçonha da aranha, uma vez infiltrada no corpo humano, demonstranão apenas ser perigosa, mas também mortal. Mal conseguimos salvara vida daqueles que foram picados pela grande aranha, com todos osmedicamentos que costumeiramente agem eficazmente contra o venenodas cobras. Esta aranha quase sempre se instala em sebes, árvoresescavadas e nas fendas de muros, onde se ocupa, como todas asoutras, em tecer sua rede”. M[urr]. [Comentários dos autores:Martin Dobrizhoffer, jesuíta austríaco nascido em Graz, na Estíria,em 7 de setembro de 1717, e falecido aos 17 de julho de 1791.Ingressou na Sociedade de Jesus em 1736 e, em 1749, passou para oParaguai, onde trabalhou por 18 anos, primeiramente entre osGuaranis e depois com os Abipones. Regressando à Europa após aexpulsão dos jesuítas, estabeleceu-se em Viena, obteve a amizade daimperatriz Maria Teresa, sobreviveu à supressão de sua Ordem eescreveu a história de sua missão, publicada no mesmo ano emversões latina e alemã (Dobrizhoffer, 1784a, 1784b). Na ediçãolatina (Dobrizhoffer, 1784a, v. 2, p. 338-339): “Cane pejus, &angue fugiendi aranei praegrandes, quos Hispani arañas peludas, idest, hirsutas, Quaranii Nanduguazu grandes appellant iidemfortassis, qui a latinis phalangia dicuntur. Illorum corpus trescirciter digitos longum e duabus partibus componitur. Anterior parsmajor est, duos prope digitos longus, sesquidigitum lata, ac nonnihil compressa. Posterior ad figuram sphaericam accedit magis, actum magnitudine, tum forma nucem muscatam exprimit. Tergusperforatum umbilici suplet vices. Exilia duo punctula ocelli suntfulgurantes. Dentes longi, & peracuti ob eximiam pulchritudinema variis auro clauduntur, ad dentes scalpendos, ad alios serviuntusus. Tota aranei hujus cutis pilis curtis nigricantibus vestitur,qui tamen adeo svaves, ac blandii, ut, si tangantur, sericivideantur. Decem crura longa, pluribus, paucioribusve internodiisdistincta, undique hirsuta numerat, quorum singula in forcipulam,qua cancri gaudent, desinunt. Haec crura pedum, manuunque officiofunguntur. Irritatus mordet obvios. Morsum, vix oculi spectabilem,humiditas quaedam, lividum tumor, & qui inde consequitur, doloracerrimus detegit. Aranei virus humanis corporibus ingestum nonpericulosum modo, sed & lethale experti sumus; Remedia adserpentinum vulnus persanandum opportuna pluribus ab araneo grandiictis vix demum vitam servarunt. Hoc araneorum genus in sepibus,arborum cavernis, murorumque ruinis, ubi reliquorum more telaetexendae insudant, potissimum delitescunt”. O mesmo trecho, emtradução de Abner Chiquieri: “Pior que o cão e a cobra, devem-seevitar as enormes aranhas que os espanhóis chamam arañas peludas,isto é, cabeludas e que os próprios guaranis possivelmente chamamde Nandiguazu, grandes, e que são chamadas de phalangia peloslatinos. Seu corpo tem o comprimento de três dedos aproximadamentee se compõe de duas partes. A parte anterior é maior, com ocomprimento de dois dedos aproximadamente e largura de meio dedo,porém nada comprimida. A parte posterior parece mais com uma figuraesférica, tanto

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  • As notas do Padre Anselm Eckart, S. J., sobre alguns animais doEstado do Grão-Pará e Maranhão (1785)

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    os Arabé113, uma espécie de besouro [sic] [558] (os portuguesesdizem Barata) tudo está infestado, especialmente os tapumes, osarmários, as encostas, os porões que guardam garrafas etc. EmTrocano, certa ocasião, entrei à noite com uma vela em um quartoonde havia um monte de trigo turco ou milho. Tudo estava de talmaneira coberto por esses insetos, que não se via nada [559] da cordo trigo; de repente, todos esses besouros [sic] negrosdesapareceram, ou melhor, se esconderam*. Com esse milho (osbrasileiros dizem Abati114), normalmente costumam engordar asgalinhas, como também os porcos. Tombura115, uma espécie de pulga.Ela persegue sobretudo os pés. Os recém-chegados da Europa paraesta América são atacados de preferência antes dos outros. De modoque aquele que ali chega como estranho e não tem conhecimentodesses insetos, sentirá dores nos pés no primeiro dia; no diaseguinte, a dor diminui e, após vários dias, nada mais sente.Contudo, durante esse tempo, a pulga faz um furo tão grande no pé,que é possível colocar uma ervilha inteira dentro dele. Os meninosindígenas conseguem, muito habilidosamente, retirar com a ponta deuma pequena faca esta pulga que se encontra, juntamente com seusovos, em uma pequena bolsa revestida de uma pele branca. Depois,preenche-se o buraco com tabaco e, em poucos dias, a ferida estaráreconstituída. As pulgas normalmente comuns em nossos países não seencontram aqui, exceto em uma ou outra semana em que chegam naviosportugueses da Europa. [560] Também dos importunos percevejos decama está livre esta terra. A minhoca se chama yçoca116. Coreá117 éo verme que se cria no biscoito; é arredondado e de cor vermelha. OTuru118 se instala na madeira; o Tapuru119, nas carnes e nos peixesdeteriorados; a yreçá120, na água estagnada. O Çoçoca121 éencontrado no trigo turco [milho]: este verme é mais ou menos longoe de cor negra. Tudo está cheio de mosquitos e pernilongos. Ummosquito comum ou mosca é o denominado Meru122. A grande, queimportuna o gado, chama-se Mutucuçu123. Pium124 é um mosquito bempequeno, que mal é visto a olho nu;

    no tamanho como na forma, imitando uma noz moscada. O dorsoperfurado supre, às vezes, do umbigo. Dois pontinhos salientes sãoos olhinhos brilhantes. Os dentes [quelíceras], longos e muitoagudos, por causa de sua enorme beleza, são encastoados por algunsem ouro, para palitar os dentes. Toda a pele dessa aranha érevestida com pelos escuros curtos, os quais, de tão delicados esuaves, quando tocados, parecem de seda. Conta com dez pernaslongas, munidas com muitos ou poucos entrenós, peludas por toda aparte; cada uma delas termina em [forma de] pinça. Essas pernasdesempenham o papel de pés e mãos. Ao ser provocada, morde o queencontra no caminho. Uma certa umidade, um inchaço escuro e uma dormuito aguda, a partir daí, desvendam a mordida, dificilmente notadapela vista. Provamos que o veneno da aranha introduzido nos corposhumanos é não só perigoso, mas – mais do que isto – letal. Osremédios apropriados para curar uma ferida de serpente salvaram avida de muitos que foram mordidos pela grande aranha. Esse gênerode aranhas esconde-se, de preferência, nas cercas vivas, nos ovosdas árvores, nas ruínas das paredes, onde deixam cair seu suor paratecer a teias, conforme o costume das outras”].

    113 Em Anôn.1, p. 33: “Barata; bicho, que roe os vestidos elivros, Blata [sic], Arabé”.* Nota da publicação original:Presumivelmente os que, na nossa Francônia e na Áustria, sãochamados “Schwabenkäfer” ou “Kakerlaken”,

    a Blatta americana L., que não suporta a luz. Os russos dão-lheo nome de “Tarakan”. M[urr].114 Em Anôn.1, p. 115: “Milho, gerl.Abatí; Saburro, Milium Indicum, Türkischer weitz”.115 Em Anôn.1, p.35: “Bichos, q entrão nos pés. Tunga, Tûmbura. Relat. Tunga, obicho do pé. Arte, p. 77”. Eckart refere-se aqui à “Arte

    de grammatica da lingua brasilica” (Figueira, 1687), onde constaà p. 77: “Túnga, o bicho do pé”.116 Em Anôn.1, p. 35: “Bichos dospáus, ou da terra. yçóca”.117 Em Anôn.1, p. 35: “Bicho, q’ costumagerar se no viscouto, algum redondo, e vermelho, Corëá”.118 EmAnôn.1, p. 35: “Bichos, q’ se comem, e nascem dos páos, e canas,arundines, Turú”.119 Em Anôn.1, p. 35: “Bichos da carne e peixepodre. Tapurú”.120 Em Anôn.1, p. 35: “Bichinhos de agoa sediça,putrída, q’ se gerão nella. yreçá”.121 Em Anôn.1, p. 35: “Bicho, q’se gera no milho, Milio, Hirsch; Asiatico, Türkischer weitzen,comprido e preto. Çoçóca”.122 Em Anôn.1, p. 117: “Mosca. Merú”.Designação geral dos dípteros.123 Em Anôn.1, p. 117: “Mosca, degado: Mutúcuçú, g.de motúca”. Díptero da família Tabanidae.124 EmAnôn.1, p. 117: “Mosquitos, que mordem, e mui peq.os: Pïu”.Dípteros da família Simuliidae (pium na Amazônia; borrachudo em

    outros lugares do Brasil).˜

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    assim mesmo, a sua picada é extremamente dolorosa. Carapanã125 éum pernilongo de pernas compridas e possui um grande ferrão, sendoque uma das espécies tem o nome de carapanatiba126, devido à suaimensa quantidade. O Marigui127 é um mosquito pequeno. O caminhopara o Maranhão é totalmente coberto com eles.

    O Micuim128 é uma espécie de pernilongo [sic] que ataca os pés ecausa intensas dores. Nas páginas 520 e 521 [ver acima] já houveinformações sobre as formigas. [561] Ikeju129 é uma espécie degrilo. É um ótimo remédio contra a retenção de urina, quando apenasse torram duas pernas reduzidas a pó, que são tomadas assim.

    125 Em Anôn.1, p. 117: “Mosquitos, os de pernas compridas, eaguilhão comprido, e q’ cantão como trombeteiras, carapanã”.Dípteros da família Culicidae.

    126 Carapanatiba (ou –tuba) não é nome de uma espécie decarapanãs, mas designa um lugar ou sítio onde estes abundam. Nomede um rio e de uma localidade no Amapá.

    127 Em Anôn.1, p. 117: “Mosquitos, os peqos: Mariguí, q’ nãofaltão no caminho do Maranhão”.128 Em Anôn.1, p. 117: “Mosquitos,os q’ se pegão nas pernas, Mocüí”. Micuim, designação vulgar dosácaros da família Trombiculidae,

    especialmente os do gênero Trombicula, que em sua fase larvalcostumam atacar o homem e os animais, causando fortes comichões.Muito conhecida na Amazônia, a espécie Trombicula brasiliense atacao homem e os animais, de agosto a outubro, nas regiões descampadas.Tem coloração avermelhada e o porte tão diminuto que é necessáriauma lente para poder ser visto com detalhes.

    129 Ver nota 16.

    AGRAdECIMEnToSNossos agradecimentos à Profa. Dra. Maria CândidaDrumond Mendes Barros (Coordenação de Ciências Humanas do MuseuParaense Emílio Goeldi), que gentilmente forneceu o CD com o“Vocabulario da língua. Brazil” e por suas críticas e sugestões.Cabe destacar, ainda, o apoio concedido pelo Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) às pesquisasrealizadas pelos autores durante os últimos anos.

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Last Updated: 03/18/2023

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